
Brasil busca referências de conduta para a publicidade dirigida ao público infantil
Patricia Botas
Patricia Botas
Teve início nesta terça-feira, 23 de setembro, o Segundo Fórum Internacional Criança e Consumo, realizado pelo Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana. Durante o encontro, a delicada questão da publicidade voltada ao público infantil será discutida. No evento de abertura, a americana Susan Linn, professora de Harvard e autora do livro Crianças do consumo, e a sueca Cecília Von Felitzen debateram, com intermédio de Guilherme Canela, coordenador de relações acadêmicas do Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância), procedimentos para regulamentação deste segmento no setor de propaganda.
Os adultos, seres com capacidade de julgamento e raciocínio lógico desenvolvidos, são receptivos à publicidade, afinal, é ela que os ajuda a escolher o que – e de que marca – consumir. “Crianças de até 12 anos não têm o lobo frontal totalmente formado, o que não permite que tenham um julgamento pronto. Além disso, crianças até cinco anos não sabem diferenciar o programa em si do comercial. É uma decisão perigosa deixar estes seres expostos à propaganda, sem nenhum tipo de restrição ou regulamentação”, afirma Susan Linn, que também é psiquiatra.
Para a especialista, as crianças de hoje sofrem muito mais influência do que antigamente. “O investimento em publicidade infantil aumentou 170 vezes nos últimos 25 anos nos Estados Unidos, além de ter ganhado novas formas de se manifestar. Há alguns anos, o problema era apenas a TV. Agora as empresas apelam através de internet, videogames, marketing nas escolas e celulares. Além disso, temos a questão dos licenciamentos, que rendem US$ 22 bilhões por ano nos Estados Unidos, graças a personagens queridos das crianças que viram bonecos, jogos e outros.
”A questão fica mais delicada ainda ao refletirmos sobre as condições financeiras das famílias brasileiras e dos próprios interessados nesse segmento, entre eles os veículos. Empresas de comunicação dependem de verba publicitária para alimentarem suas grades de programação, sendo que o debate sobre a questão, ao se tornar polêmico e se dilatar no tempo, pode causar fuga de anunciantes. No Brasil, a TV Cultura adotou a postura de não veicular comercial voltado às crianças durante sua programação infantil. “Na Suécia, enquanto a TV pública exibe programas infantis, não há comerciais. Existem também órgãos governamentais que recebem denúncias de abusos, além de realizar palestras em escolas”, exemplifica Cecília von Felitzen.
Os meios de comunicação ganharam tanta importância nas últimas décadas que modificaram o comportamento da sociedade. “Há uma tentativa de término da infância para as crianças assim como da fase adulta. Atualmente, parece que todo mundo tem 17 anos pra sempre”, opina Linn.
Muitos dos que se comportam como se tivessem 17 anos para sempre são os próprios pais, justamente os responsáveis pelo controle do que os filhos devem ou não consumir, seja entre as opções de produtos de todas as categorias, seja na mídia, como fonte de entretenimento. Na verdade, pode até parecer luta inglória a família tentar concorrer com a indústria dos sonhos, que movimenta bilhões de dólares por ano e mexe com a cabeça das crianças, ao vender valores materiais e provocar, na visão de muitos especialistas, danos à saúde e à sociedade. No entanto, atentando para o fato de que as crianças "copiam" atitudes presenciadas em seu habitat, ou seja, que elas se espelham nos mais velhos tomando-os como exemplo de comportamento, a briga fica mais justa, e, por que não dizer, paradoxal em alguns momentos, ao assumir o espírito do ditado: "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço".
Debater a regulamentação da propaganda para crianças é importante em todas as instâncias e regiões no Planeta, contudo, ao inserir essas altercações no universo brasileiro, onde há alto poder de penetração centralizado em grupos de comunicação cujo faturamento (e condições de subsistência) está totalmente à mercê dos investimentos publicitários da iniciativa privada, não se pode deixar de examinar detalhe por detalhe da trajetória que levará ao estabelecimento de uma regulamentação que seja fruto de consenso, de modo a respeitar, prioritariamente, o bem-estar infantil e o papel dos pais e dos educadores, mas, também, as pecularidades do mercado de trabalho no setor.
Em síntese, o problema não deve ser tratado de forma rasa. O País sofre com um sistema de educação fraco, que não fornece boa formação para pais argumentarem com os filhos não apenas sobre a função da propaganda, mas sobre um sem-número de temas fundamentais para a melhoria das condições de vida atuais dos cidadãos, no presente e no futuro; nem há estímulos suficientes para apoiar, por intermédio do convívio social e das atividades lúdicas, o afastamento das crianças de TVs e computadores quando estes meios de comunicação estão sendo acessados além do admissível para uma formação ideal. Portanto, quando uma criança vê os pais comprando bens desnecessários à família e, ao mesmo tempo, desperdiçando recursos que foram destinados à alimentação, por exemplo, enquanto a fome ainda mata no mundo, até a impertinência da publicidade diminui de tamanho. Ou não?
Mais informações: www.forumcec.org.br
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