Texto muito bom e de interesse daqueles que pretendem ser Diretores de Arte.
Ou não...


Onde nasce o diferente?
História verídica. Almoço de confraternização dos diretores do Clube de Criação de São Paulo em uma cantina do Bairro do Bixiga, cerca de duas décadas atrás. Presentes algumas das mais importantes lideranças criativas do País. Gente que é hoje sócia de algumas das maiores agências brasileiras. Nata, creme do talento criativo publicitário nacional. Entendeu, né?
Discussão em pauta: algumas das campanhas que estavam no ar na época. Opiniões: divergentes. A nata, o creme, divergia sobre o que era bom ou ruim. Em um determinado momento, dois desses grandes nomes, em discussão aberta diante do grupo, expuseram seus argumentos sobre determinado comercial. Um achando uma porcaria de jogar no lixo; o outro achando genial.
O desfecho da discussão não importa, importa a discussão. Quem estava certo? O que é ruim de jogar no lixo e o que é bom de ser genial, quando o assunto é criação publicitária? Quem decide? Quais são as regras? Quais os parâmetros? Onde você viu que isso é legal? Onde você viu que isso não presta?
As referências fazem a história do bom e do ruim na publicidade em todo o mundo. E não se engane — em um júri em Cannes, é a mesma coisa. Há quem entenda que determinada peça é maravilhosa, e outros que ela é uma bomba. É de verdade, estão sendo legítimos. Sem interesse ou politicagem, acham mesmo.
Dentro das agências, todos os dias, a cada hora, alguém toma uma decisão sobre o que é bom ou ruim na criação. O que deve ou não deve ser levado ao cliente. O que vamos ou não vamos ver na mídia um dia. O que deve ou não deve ser inscrito nos festivais. O que tem chance de Leão e o que não tem.
Baseado em quê, cara pálida? Quais seus parâmetros, bonitão? De onde vêm suas certezas, ô John Hegarty dos trópicos?
Isso complicou um pouco mais com a internet. Antes, as referências eram mais claras: Festival de Cannes e Archive eram o básico. A coleção das fitas de vídeo em VHS da Shots (produzidaspelos ingleses) ajudava a calibrar o tiro. O D&AD trazia sempre mais um pouco do mesmo olhar inglês, com foco em design e direção de arte, luxo total. Afinal, a propaganda inglesa é a melhor propaganda do mundo, não é? (Aliás, quem disse isso? Quem confirma? Ainda é hoje?). E pronto.
Como não eram muitos os profissionais que tinham acesso a todo esse arsenal das mais finas referências, porque custavam caro (ainda custam), poucos sabiam o que era bom. Perpetuava-se assim uma casta de heróis da raça, privilegiados donos das verdades criativas. Quem não era do clube, sambava.
Sempre se levantou a questão de que essas referências criavam um padrão, um standard, um modelão básico. Todos bebiam da mesma fonte e, como o gosto da água era o mesmo, idéias de outra natureza e sabor eram rejeitadas como alienígenas.
Sai um embaçadinho aí!
Pois, como dissemos, a internet complicou tudo ainda mais. Ou facilitou tudo — depende do ponto de vista. Hoje, o acesso às referências se democratizou muito mais do que em décadas passadas. E aí mais gente passou a beber da tal fonte. A mesma. O que era igual, ficou mais igual ainda.
Quer um exemplo? Filme embaçadinho. Manja filme embaçadinho, aquele que parece que vem envolto em uma película de papel-manteiga? Começou com embaçadinho verde. A fotografia de alguns dos comerciais premiados em Cannes em 2006 lançou a moda. Aí todo mundo seguiu. Deu uma variada para embaçadinho amarelo. Mudou a tonalidade, mas a referência ficou a mesma. É só olhar.
E isso é considerado o quê? É considerado bom. Embaçadinho é bom, mostra que você é um cara antenado e que está bebendo da fonte certa, a fonte da moda e do momento. Você é in.
Na década de 90, a trilha genial de um dos comerciais da BBH para a Levi’s criou escola e gerou um modelo. (O filme é aquele em preto-ebranco, em que o jovem vai comprar uma camisinha na farmácia para cair na farra com a namorada e, quando chega na casa dela, quem atende a porta é o pai, ninguém menos que o dono da farmácia). A trilha começava baixinho, imperceptível. Ia acelerando até cair em uma levada que lembra o que seria hoje música eletrônica tipo trance. Uma batida jovem, empolgante, moderna e certeira no gosto do target.
Pois isso é referência até hoje. Inúmeras trilhas que estão no ar seguem a mesma fórmula, como se fosse um achado. E todo mundo acha que é mesmo.
Isso é o quê? Isso é bom, dizem todos. (Aliás, John Hegarty, o criador do filme, continua sendo Deus. Sua obra inteira continua sendo referência. Pode copiar, que dá certo.) Mas a questão não se resume a isso, vai mais adiante.
A segmentação e multiplicação dos meios criaram um complicador adicional. Antes, era press e film. Hoje tem cyber, promo, direct, titanium, plutonium e kriptonitum. Tem campanha que mistura passeio de balão com patrocínio de banheiro, shot code no shopping com apoio ao acasalamento das belugas no Ártico. Hoje você fala, via SMS, com um painel gigantesco no centro da Broadway. E pasme, ele responde. Nova York pára e vê.
Isso é bom? Sei lá, parece que sim. Baleia parece que também é legal hoje em dia. Sendo assim, onde nasce o diferente? Onde se inspirar para o novo?
Referências. Onde estão as referências?
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