17 de mar. de 2008

Artigo: O dia seguinte (Claudio Fonteles)

Olá pessoal.
É com grande prazer que posto a seguir, um belo e importantíssimo artigo enviado a mim pelo ilustríssimo senhor Claudio Fonteles, Professor e Subprocurador Geral da República. Acredito ser motivo de grande orgulho para nós, ter uma pessoa do mais alto gabarito prestigiando nosso blog. Fica aqui, senhor Fonteles, o nosso agradecimento.

Confiram o artigo.


O dia seguinte

Claudio Fonteles
Professor e Subprocurador Geral da República




O voto do Min. Britto calca-se em que o embrião resultante da relação sexual não é o embrião resultante da fecundação in vitro.

O primeiro é início da vida, mas a vida só acontece com o nascimento, registrado em cartório. O segundo vida não é.

Ora, o raciocínio equivoca-se, em muito, por definir o conteúdo, pelo continente. Com efeito, o fundamento, o conteúdo, é a fecundação. Se aconteceu, fruto de relação sexual, no quarto, na sala, ou no banheiro, ou se se deu em laboratório, o lugar onde aconteceu a fecundação é, por óbvio, irrelevante. A fecundação é que gera a vida.

Aliás, e muito a propósito, disse o jornalista Élio Gaspari: “Achar que só há vida depois que ela é reconhecida em cartório ou autenticada pela OAB equivale a regredir ao período em que o cérebro do nosso macaco mal sabia comandar as pernas”.

Tornando aos dias de hoje, e eis que a imprensa escrita brasileira, em decisiva matéria sobre o assunto, documenta a existência do menino Vinicíus, de seis meses, embrião congelado por oito anos, destacada a frase de sua mãe, Maria Roseli, a dizer: “Imagine se eu tivesse doado o embrião para a pesquisa”.

É a comprovação clara do que a professora Alice Teixeira asseverou na audiência pública – no que não foi contestada até hoje – no sentido de que há no mundo, especificamente nos Estados Unidos, pessoas, embriões congelados por 7, 9 e até 13 anos.

No Brasil, a Professora Alice Teixeira apontou o caso de Alissa, embrião congelado por 6 anos. Por certo, inúmeras são as pessoas, embriões congelados por vários anos.

Tais fatos, tão inequívocos, constatam que o prazo único de 3 anos, posto no artigo 5º da lei de biossegurança, após o que autorizada estava a pesquisa com embriões, é prazo aleatório, destituído de qualquer fundamento científico sério.

O princípio constitucional, que consagra como direito individual fundamental a inviolabilidade da vida humana, queda inexoravelmente comprometido a permitir-se permaneça a eliminação do embrião humano, para qualquer fim.

Inviolabilidade da vida humana significa destacar e colocar em patamar supremo a existência do ser humano.

Como manter-se pesquisa cujo objeto é embriões humanos congelados se, quando descongelados e implantados no útero materno, vivem?

Se há os que morrem, há os que vivem.

Aí estão Alissa, Vinícius, e tantos mais.

O princípio da inviolabilidade da vida humana não se define por estatísticas.

Demonstrado, e provado, como está, e por forma inequívoca, que o embrião congelado, por mais de 3 anos, vive, a norma jurídica, que autoriza sua eliminação para pesquisa, é flagrantemente inconstitucional.

Há, ainda, outro aspecto a considerar.

Tantos são os casais que buscam a adoção de filhos. Permanecem em filas de angústia.

O governo brasileiro, se realmente quiser realizar política séria em defesa da vida – vez que permanece omisso na criação de centros públicos de coleta e preservação do cordão umbilical, para que não se tenha que pagar ao particular a preservação desta célula adulta, que é o próprio cordão umbilical dotado de pluripotência no combate às doenças degenerativas -, por que não incrementa política nacional de adoção de embriões congelados, desde que assim autorizados por seus pais?

A mãe adotiva, inclusive, assim há de experimentar o momento magnífico da gestação e da amamentação.

A sucessão dos fatos está a demonstrar a brutal incorreção, por onde quer que se considere, na pesquisa com células-tronco embrionárias.


O promotor Diaulas, fervoroso defensor das pesquisas com células-tronco embrionárias, indispondo-se contra lei local que incentiva a doação de órgãos post-mortem - e a doação dos órgãos é atitude a se aplaudir sempre pelo que significa de gesto concreto e eficaz de solidariedade humana – é textual: “O desenvolvimento da ciência fez surgir a expectativa de um direito fundamental à imortalidade”.

Por certo, o promotor Diaulas encanta-se com o romance: “O retrato de Dorian Gray”. Opções literárias não se discutem, havemos de respeitá-las...

Já que estamos, no dia seguinte, em frases de arroubo e encantamento, o Min. Britto brinda-nos com a proclamação: “Chega de Trevas”, emoldurada por gesto largo seu, mãos abertas, olhos ao céu a pedir luz. Ocorreu-me a passagem do Gênesis quando o próprio Deus, prescindindo da linguagem gestual, disse simplesmente: “Faça-se a luz”.

A terminar, reparo à monótona, de tão repetida, afirmação de que com a ação, que ajuizei, comprometida está a laicidade do Estado brasileiro.

Estado laico não é o que abole as convicções religiosas para consagrar o ateísmo, como opção única. Estado laico, porque democrático e plural, é o que garante a convivência pacífica e respeitosa dos que professam os mais variados credos, inclusive os que credo não têm.

Definitivo é Gomes Canotilho, constitucionalista emérito: “Para além dos momentos emocionais que o laicismo republicano transporta pode dizer-se que ele assenta principalmente em três princípios: secularização do poder político, neutralidade do Estado perante as Igrejas e liberdade de consciência, religião e culto”.

Um comentário:

Cleide Rosa disse...

Jean,como já havia dito em outra ocasião, eu era defensora dos estudos com as células tronco, mais agora vejo que não estava totalmente inteirada de todos os fatores envolvidos. Vou estudar com mais calma e refletir melhor, bem melhor, sobre este assunto tão importante.
Parabens pela boa matéria.